Reflexões sobre o Documento 109 – Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (2019/2023)
A Igreja nas casas
O capítulo 3 ora apresentado, inicia afirmando que Jesus gostava de estar nas casas com as pessoas, curava, jantava, conversava e não importava quem estivesse morando naquela casa, do mesmo modo os ensinava e compartilhava o alimento. Depois, nos recorda que Jesus Cristo não tinha onde repousar a cabeça (Mt 8, 20), mas amava estar nas casas dos outros e valorizava esse local de convívio. Sabia e ensinou a seus discípulos a criarem momentos para estreitar relações fraternas e comunitárias, era nesses momentos de refeição que “Jesus constituía a oportunidade para uma radical conversão que se inaugurava, no tempo daquelas vidas, o tempo do Reino de Deus” (MENDONÇA, 2013, p. 96)
Lembrando novamente das primeiras comunidades, a Igreja nas casas não se prendia a laços familiares, ia muito além, porque ela indicava uma pertença à família de Deus. Nessa família, a posição patriarcal já não tinha uma função, dado que Jesus dava atenção às mulheres e valorizava “sua presença e atuação na comunidade” (MOREIRA, 2012, p. 28). Por isso, entendemos que essa posição foi transformada em amor fraterno, em que as mulheres participavam de tudo e cuidava de todos.
Além disso, é importante lembrar para compreender melhor como as primeiras comunidades viveram e se formaram, que como alguns judeus aderiram à Jesus como sendo Cristo eles foram expulsos pelos fariseus, portanto, segundo Moreira (2012), foi um enorme desafio para os cristãos conviverem e se inculturarem a um ambiente pagão. Mas essa convivência fraterna, entre cristãos e os não cristãos é um exemplo a ser seguido, porque o que importava era pertencerem à Cristo, assim viviam e participavam de tudo, portanto, ser cristãos não os separavam dos outros, mas tornou-se um estilo de vida e testemunho para todos.
Tais comunidades eram pequenas e com poucas famílias, onde compartilhavam a mesa da refeição, num estilo de vida próprio o qual era marcado pelo amor e o seguimento a Jesus Cristo. E isso implicava “numa identificação pessoal com o estilo de vida de Jesus e com seu compromisso com os pobres” (MOREIRA, 202, p. 41), numa convivência e cuidado com os pobres e com quem mais precisasse.
Vendo nessas primeiras comunidades uma inspiração para nós e olhando para trás e observando os desafios da cultura urbana da qual fazemos parte, a Igreja no Documento de Aparecida (DAp) retoma esse modelo de pequenas comunidades eclesiais, como o local perfeito para a escuta e partilha da Palavra de Deus, oração, comunhão e aprofundamento da fé. Uma vez que “uma das colunas mestras que sustentava a vida das primeiras comunidades cristãs era a oração” (MOREIRA, 2012, p. 50). Eram comunidades como dito anteriormente, que cultivavam a oração, a vida em comum, buscavam uma familiaridade com o Espírito Santo e buscavam sempre Jesus Cristo para permanecerem firmes e unido a Deus. Por isso, um modo de vida que nos torna mais fiéis aos ensinamentos de Jesus e nos ajuda a sermos discípulos missionários.
Desse modo, o Documento 109, a partir do entendimento que a missão deve ser o eixo fundamental da Igreja, apresenta as comunidades como a casa da Palavra, do Pão, da Caridade (CNBB, Doc. 100) e da missão, como o lugar da Iniciação à Vida Cristã (CNBB, Doc 107), do compromisso com os pobres (EG, n.197-201), da abertura aos jovens, do anúncio do Evangelho, da família (AL) e do cuidado à Casa Comum (LS). Tendo esse entendimento e pilares como base para as comunidades eclesiais que queremos, o Documento 109 apresenta algumas reflexões acerca desses pilares: da Palavra, do Pão, da Caridade e o da Ação Missionária.
A comunidade cristã se reunia em torno da Palavra, conviviam com ajuda mútua e fortaleciam os laços fraternos. Vemos nesse exemplo, como a iniciação cristã se dava pela iniciativa de Deus e que se concretizava num encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo. Nos Atos dos Apóstolos conhecemos a narrativa da vida que essas comunidades levavam “perseveravam unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos, com alegria e singeleza de coração (At 2, 46). Dessa maneira, nas nossas pequenas comunidades devemos e podemos, a partir do encontro com a Palavra de Deus e a própria comunidade numa convivência fraterna, introduzir a todos os membros à Iniciação à Vida Cristã.
A Iniciação à Vida Cristã segundo os autores Silva, Rezende e Paiva (2014, p. 10), é uma proposta de catequese seja “capaz de introduzir os catequizandos já batizados ou os catecúmenos que se preparam para o batismo na vida da comunidade cristã, no estilo evangélico de vida, nos mistérios da fé, nos seguimentos da doutrina de Jesus”. Para isso, traz as primeiras comunidades como fontes nas quais poderemos beber, para ter adesão a uma fé mais madura, bem fundamentada que vem do encontro e convívio com a pessoa de Cristo e seu Evangelho. Segundo o Documento 107, não “estamos partindo do zero. Há um passado que pode impulsionar-nos a buscar constantemente novos caminhos, para que cheguemos a viver, com autenticidade e zelo ardente, o seguimento de Jesus, a partilhar com Ele a missão de fazer acontecer o Reino no mundo de hoje (CNBB, Doc 107, n. 39).
E, portanto, é a partir dessa experiência que nós, discípulos missionários, somos chamados a iniciar os membros das comunidades eclesiais, testemunhar a partir de nosso próprio encontro pessoal, num “total envolvimento da pessoa com Jesus, a ponto de uma transformação da vida (conversão) e adesão decidida e consciente ao seu projeto” (SILVA; REZENDE; PAIVA, 2014, p. 15). “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam — isto proclamamos a respeito da Palavra da vida” (1 Jo 1,1), é pois, a fé vivida, celebrada e partilhada em comunidade, no encontro pessoal que traz um processo de crescimento que não cessa.
Como vimos, no Pilar da Palavra há um encontro profundo com a iniciação e segundo orientação do Documento 109 é preciso considerar as seguintes etapas desse processo: o querigma, ou seja, o primeiro anúncio que é essencialmente sobre a pessoa de Jesus, sua mensagem, suas ações, vida, morte e ressurreição. O catecumenato, quer dizer, a realização de um itinerário, um caminho que ajude a pessoa a assumir a fé da Igreja, nessa etapa se dá o ensinamento e a vivência das práticas litúrgicas e a participação da vida comunitária. A etapa seguinte é a purificação-iluminação, em que há uma preparação para a recepção dos sacramentos de iniciação (batismo, crisma e eucaristia), além das práticas quaresmais, e por fim, a mistagogia, que é a introdução ao mistério pascal de Cristo que deve ser vivido na comunidade, junto com os irmãos.
Ao seguirmos esse processo que é fundamentado na Palavra de Deus e na liturgia, nosso olhar e ouvidos estarão voltados para a escuta da Palavra e da Oração (CNBB, Doc. 107, n.66). Isso, porque é por meio da leitura das Sagradas Escrituras, partilha e oração que o membro daquela comunidade eclesial poderá contemplar e viver todo o ensinamento de Jesus Cristo e adesão ao seu Projeto.
Assim, é importante que a comunidade reunida conheça e aprenda a leitura orante da Palavra de Deus, o que permitirá aos membros ter uma formação para o discipulado. A leitura orante não é a leitura da Palavra, mas é rezar o texto bíblico, de preferência em comunidade, para não correr o risco de fazer leituras fundamentalistas da Palavra e o mais importante, fazer do Evangelho critério para a mudança de vida. Esse método de aproximação à Sagrada Escritura é uma orientação do Documento de Aparecida (DAp, n. 249).
A leitura orante que é um método antigo da Igreja Católica, também conhecido como Lectio Divina, “é uma prática de meditação da Palavra de Deus, consagrada na Igreja desde a idade Média, redescoberta e atualizada par os nossos tempos” (SILVA; REZENDE; PAIVA, 2014, p. 19). Para rezar a Palavra com esse método é preciso seguir alguns passos: escolher um ambiente agradável e propício para a oração em comunidade ou individual, com silêncio para que possa meditar a Palavra de Deus. Depois disso, invoca-se o Espírito Santo e parte-se para viver os 4 degraus para a oração (SILVA; REZENDE; PAIVA, 2014, p. 20/21):
O primeiro degrau é perguntar-se ou perguntar aos outros: o que o texto diz. Neste degrau, pode-se propor a releitura do texto em silencio, ou em outras versões bíblicas, em voz alta novamente etc. Depois, pode-se recontar a passagem com as próprias palavras, contar o contexto onde se passou, que pessoas estavam envolvidas, que fato ou reflexão foram feitos no texto. É o contato com o texto lido.
No segundo degrau se questiona o que o texto me diz, somos convidados então, a interiorizar e meditar em primeira pessoa o texto. O que, naquele momento o texto fala a mim, deixar que o texto traga à tona a sua mensagem e que Deus nos apresente sua voz por meio do texto. Pode-se pedir que destaquem trechos ou versículos que mais chamaram a atenção ou que trouxeram alguma meditação específica. Esse momento pode ser feito em silêncio ou partilhado. Aqui é o que chamamos de reflexão sobre o texto, momento de falar o que entendemos.
No terceiro degrau, pensa-se o que o texto me leva a falar com Deus, ou seja, o que eu li e refleti junto com meus irmãos me faz rezar? O que dessa leitura posso apresentar a Deus como oração? De maneira espontânea, cada um pode fazer seu pedido, agradecimento, louvor, súplicas, pedidos de perdão, é a nossa oração pessoal, mas sem o caráter individualista. Seria bom se fosse feita em primeira pessoa, porque é a oração pessoal com Deus, que também pode ser em silêncio ou partilhada.
No quarto degrau devo me perguntar: o que devo fazer a partir de tudo o que conheci, refleti e rezei? Esse é o momento de contemplar a Palavra de Deus e tudo o que ela me leva a fazer, é o agir da oração. A oração também nos faz sair do lugar, quando vemos a realidade intermediada pela Palavra de Deus, precisamos também assumir nosso papel de anunciadores e denunciadores. Portanto, é preciso assumir um compromisso pessoal, comunitário ou social nesse momento da oração, que também pode ser expresso em voz alta ou não.
Por fim, esse método se mostra muito eficaz para ajudar as pessoas a rezarem e a conhecer melhor a Palavra de Deus, por isso, é muito importante motivar as pessoas a se expressarem, às vezes pode ser em voz alta, outras vezes por escrito e lido, a criatividade é quem manda. A cada passagem de degrau é importante termos cânticos apropriados ou mantras, que ajudem a comunhão entre os participantes e a leitura orante.
Desse modo, não perderemos de vista o exemplo que Jesus nos deu em sua vida, pois ele era um judeu fiel às tradições e costumes de seu povo, portanto também tinha seus momentos de oração, como bem vemos nos Evangelhos que nos contam diversos instantes de sua vida nos quais ele orava. Esse entendimento de Jesus orante é “de fundamental importância para nós que buscamos na liturgia, e no cultivo da espiritualidade, uma referência segura para a vida e uma iluminação para as práticas catequéticas de nossas comunidades (PAIVA, 2008, p. 22).
Além de nos fazer entender também, que apesar de rezar mediante as tradições judaicas, Jesus não se furtava de “censurar a hipocrisia dos que louvavam a Deus da ‘boca para fora’, mas não chegavam as ultimas consequências da oração (...), alertava continuamente para o perigo de fazer da oração uma exterioridade ou mesmo uma maneira de satisfação do orgulho pessoal e cultivo de aparências” (PAIVA, 2008, p. 25). Não é possível entender a oração que não leva ao compromisso com consigo e com o outro, para buscarmos e construirmos um mundo melhor para todos.
Lembremo-nos daquela passagem na qual Jesus nos disse como não devemos orar: “e quando orardes, não sejais como aqueles hipócritas, porque eles gostam de fazer oração pondo-se em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa” (Mt 6, 5-5). Conhecemos e rezamos na oração do Pai Nosso um “roteiro de vida, que integrava o amor ao Pai e o amor aos irmãos, e dispunha do homem orante o compromisso com o Reino em todas as suas dimensões e exigências” (PAIVA, 2008, p. 25).
O Documento 109 nos apresenta também o Pilar do Pão, pois além de se alimentarem da Palavra de Deus, as primeiras comunidades se alimentavam também do pão, na celebração da Eucaristia. E faziam isso juntos, importante destacar que a mesa está sempre no centro da celebração da fé, em que fazemos o memorial do Senhor. Há um importante documento da Igreja que nos ajuda a entender a centralidade do mistério pascal em nossa fé e na liturgia, o Sacrossanto Concílio (CS), em que “Jesus Cristo é recolocado como o centro de toda a vida cristã – e por isso mesmo, da liturgia – e como eixo da ação da Igreja, povo de Deus (PAIVA, 2008, p. 44).
Fazer o memorial do Senhor, então, é fazer novamente em nossos dias, na cultura urbana apresentada pelo documento 109, a mesma entrega e o mesmo amor de Jesus, principalmente aos pobres, aos excluídos, apontados e marginalizados, dando assim a dimensão social à Eucaristia (PAIVA, 2008). Ao comungar assumimos a missão de Jesus Cristo, acompanhados pelo próprio “Senhor que, de maneira especialíssima, fica conosco, nos acompanha na longa e árdua estrada da vida (PAIVA, 2008, p. 87).
Portanto, a nossa fé deve ser alimentada na Palavra de Deus e na Eucaristia, pois é “o lugar privilegiado do encontro do discípulo com Jesus Cristo” (DAp, n. 251). É pela Eucaristia, pela celebração do mistério pascal, que cada um de nós, discípulos missionários penetramos e assumimos ainda mais o mistério pascal em nossa vida (DAp, n. 251), para assim poder anunciar sempre aos outros o que temos vivido e escutado. Ainda no Documento de Aparecida (n. 255), vemos a importância da oração pessoal e comunitária, alimentadas pela Eucaristia e pela Palavra, sendo primordial no caminho do discípulo missionário.
Essa vivência profunda da nossa fé, ajuda a vencer um dos desafios presente nas comunidades locais, que é a ideia de que a ação é uma forma de oração. É importante não confundir a ação com a oração nos grupos, comunidades e pastorais, todos nós devemos alimentar nossa fé pela oração e pela Eucaristia, tendo como fonte inesgotável a Palavra de Deus, fazendo de cada um de nós testemunhas “de uma vida vivida com simplicidade e alegria no seguimento de Jesus” (MENDONÇA, 2013, p.106).
O próximo Pilar a conhecermos um pouco mais é o da Caridade, o Documento 109 nos diz que é pela caridade, desenvolvendo um olhar mais interessado pelo outro e com a oração que podemos ser verdadeiros discípulos missionários. A oração sem caridade, perde a força. Jesus, pelo caminho rezava, curava e cuidava das pessoas, dos abandonados à beira da estrada, dos doentes, dos pobres e marginalizados, pecadores e perseguidos. Nos deu o exemplo de amor, misericórdia e ação.
Segundo o Papa Francisco (2017, p. 9), “Jesus é o rosto da misericórdia do Pai”, desse modo, o filho tornou o Pai visível e vivo para diversos homens e mulheres, para que eles e depois nós pudéssemos perceber e entender que tudo em Jesus exalava misericórdia. Por isso, “enquanto casa de comunhão, a comunidade é chamada a celebrar frequentemente o perdão e a misericórdia do Senhor” (Doc 107/101). Pois, afinal, nossa Igreja é santa e pecadora e viver a experiência do Deus de misericórdia, nos faz discípulos missionários que agem também com misericórdia para com os outros.
Ainda na perspectiva da misericórdia, o Papa Francisco nos questiona sobre a nossa vivência e prática das obras de misericórdia trazidas por Jesus e roga para que elas façam parte da nossa vida e isso vai ao encontro do apelo do Pilar da Caridade: alimentar os famintos, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, acolher o estrangeiro, curar os doentes, visitar o presidiário e enterrar os mortos. Assim, nós comunidade eclesial, devemos nos preocupar e socorrer a todos os que sofrem: os pobres, os imigrantes e refugiados, pessoas em situação de rua, encarcerados, crianças, idoso, juventude, família, os indígenas, quilombolas e pescadores. Todos e todas são riquezas do nosso país, até porque todos e tudo é “amado por Deus. A misericórdia de Deus é anterior ao pecado do mundo” (PALEARI, 2001, p. 28).
Devemos também, junto com a Igreja e iluminados e guiados pelo Espírito Santo reconhecer e fazer com que os outros possam conhecer “as sementes do verbo, presentes nas várias culturas, e promover o encontro dessas culturas com Jesus Cristo, que as ilumina (CNBB, Doc 109, n.114), fazendo com que possamos dar um passo à mais, em direção à defesa da vida. O Evangelho que a Igreja anuncia é o da paz (Ef 6, 15), que é o próprio Jesus (Ef 2, 14), portanto, precisamos assumir posturas que promovam a paz, que enfrentem a violência, a exclusão, a pobreza e a cultura das diversas facetas da morte em nosso meio.
Conforme o Documento 109 (n. 60), não se pode negar que a caridade “se expressa no empenho e na atuação política dos cristãos “, ao compreender isso, nós cristãos poderemos promover e participar da boa política, como uma forma de promover a paz e todos os direitos do ser humano, como a justiça e o trabalho. Diz ainda que “a omissão dos cristãos nesse campo pode trazer gravíssimas consequências para a ação transformadora na Igreja e no mundo (Doc 109, n.60).
No Pilar da Atuação Missionária, tendo em vista a atualidade e todas as sombras apresentadas no capítulo 2 (Doc 109), não podemos pensar que todos já conhecem a Boa Nova e que ela já faz parte da vida de todos. Não! Nós devemos anunciar diariamente, nos espaços comuns que atuamos como no trabalho, na escola, com os amigos, os valores do Reino, o amor de Jesus e a sua misericórdia. A partir da experiência e intimidade do encontro com Jesus e de uma fé mais madura, tendo como ponto de partida o processo por nós vividos nesse encontro, o nosso coração deve arder para anunciar o Evangelho a todos, sem exceção.
Segundo Giorgio Paleari (2001, p.29), o “fim da evangelização é o mistério trinitário. Isso significa que o Reino na sua plenitude (“Deus tudo em todos”) é o caminho da prática do missionário. Tudo faz parte do Reino que foi o sonho e o projeto de Jesus, associado à vontade do Pai, sendo a força que deve impulsionar ao discípulo missionário “a dar a própria vida pelo plano de Deus” (PALEARI, 2001, p. 31).
A missionariedade de todos nós leigos e de nossas comunidades se expressa quando garantimos dignidade de cada ser humano e, portanto, devemos nos abrir sempre ao diálogo, acolhida, luta pela justiça e combate à pobreza. De novo, a compaixão interpela o caminho do discípulo missionário, porque a luta pela garantia de direitos nasce da compaixão, pois ela “exige que se fixem os olhos sobre o pobre e se sinta, de maneira aumentada, o sofrimento do outro” (PALEARI, 2001, p. 36), ao sentir esse sofrimento aumentado não há como ser indiferente à situação vivida por ele.
Devemos olhar a realidade pela lente dos óculos de Deus, pois o “mistério da encarnação é que Deus não permaneceu no lugar que lhe era próprio, mas, movido profundamente pelas condições de sofrimento do ser humano, abandonou seu lugar celeste e assumiu o lugar humilde entre as pessoas. Ele mesmo experimentou a miséria de nossa condição terrena” (PALEARI, 2001, p. 37).
Segundo Paleari (2001, p. 53), “toda a vida missionária está sob o impulso da ação transformadora de Deus”, por tanto é preciso ver na realidade dos tempos atuais, da qual a internet também faz parte, como um lugar onde também expressaremos a nossa missionariedade, porque “são novos recursos, linguagens e meios de evangelizar” (Doc. 109, n. 118). Porém, o documento Gaudium et Spes nos chama a atenção para o discernimento ao utilizar as mídias digitais para não propagar fake news ou informações superficiais que podem trazer diversas consequências.
Nossa missionariedade também é expressa pela presença viva, alegre e atuantes dos jovens na Igreja. Cabe à comunidade nessa atitude de diálogo, acolhê-los, para renovar a comunidade eclesial. Sabemos que os jovens, com seu testemunho e ardor missionário podem “ser ainda mais missionários entre os jovens” (Doc. 109, n. 119). A comunidade eclesial deve compreender que a missão é, “antes de tudo, deixarmo-nos conduzir por Deus aonde e como ele quer e de acordo com os planos que ele tem para a nossa vida “(PALEARI, 2001, p. 56), abrindo espaço para que todos possam se sentir e se tornar verdadeiros discípulos missionários de Cristo.
Missão é partir, caminhar, deixar tudo, sair de si, quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha no nosso eu. É parar de dar volta ao redor de nós mesmos como se fôssemos o centro do mundo e da vida. É não se deixar bloquear nos problemas do pequeno mundo a que pertencemos: a humanidade é maior. Missão é partir, mas não devorar quilômetros. É, sobretudo, abrir-se aos outros como irmãos, descobri-los e encontrá-los. E, se para encontrá-los e amá-los é preciso atravessar os mares e voar lá nos céus, então Missão é partir até os confins do mundo. Dom Helder Câmara
Valdiene Aparecida Gomes
Catequista na Paróquia Cristo Rei (EPAC) – Ipatinga/MG
Cursou a Formação de Coordenadores de Catequese – CNBB/Leste II
Cursou Bíblia em Comunidade – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE)
Professora da Rede Pública de Ensino e Mestra em Linguagens e Letramentos pela UFMG
Referências bibliográficas
BÍBLIA SAGRADA. Bíblia de Jerusalém (Ed. Revista). São Paulo: Paulus, 2004.
CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: 2019-2023. Brasília: Edições CNBB, 2019.
_____. Iniciação à vida cristã: itinerário para formar discípulos missionários. 2ª ed. Brasília: Edições CNBB, 2017.
DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Edições CNBB, Paulinas, Paulus. 2007.
MENDONÇA, José Tolentino. Nenhum caminho será longo: para uma teologia da amizade. São Paulo: Paulinas, 2013.
MOREIRA, Gilvander Luís. Lucas e Atos: uma teologia da história. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 2012.
PAIVA, Vanildo de. Catequese e liturgia: duas faces do mesmo mistério. São Paulo: Paulus, 2008.
PAPA FRANCISCO. Alegria de ser discípulo. Editado e compilado James P. Campbell. Tradução Sandra Martha Dolinsky. 2ª ed. Rio de Janeiro. Bestseller, 2017.
PALEARI, Giorgio. Espiritualidade e Missão. São Paulo: Paulinas, 2001.
SILVA, Marlene Maria. REZENDO, Rita de Cássia Pereira. PAIVA, Vanildo de. O processo de formação da identidade cristã: roteiros e reflexões para retiros e formação de catequistas com inspiração catecumental. São Paulo: Paulus, 2014.